sexta-feira, maio 13, 2005

A visita

Não sei que obrigação mórbida me empurra para dentro do quarto. Dentro dele, quatro velas grossas, depositadas em cada um dos quatro cantos invocam os seis fantasmas que ali estão, de pé, voltados contra a parede branca. Cada qual, uma fatia do tempo, uma palavra calada, uma esquina dobrada há anos, um membro da família. É o meu receio, esse que escorre debaixo das minhas unhas num suor corrente, que os impede de voltarem as faces para a porta onde estaco. Diz o menor, de calças curtas e cabelo engomado, ao lado da velha de cabelo assanhado: "Que tanto lhe angustia ver um de nossos rostos? Que temor é esse que me segura pelos braços? O que você tanto não quer ver?".

"O tempo descascado na sua face. A trajetória da morte. O avesso da minha esperança", arrisco eu.

"E qual desses você já não adivinhou ao olhar-se no próprio espelho à perda de contas, parente?", responde a criança.

Vejo um relance de sua orelha, na luz de vela que cambaleia. A linha do pescoço perdida na gola apertada e bem arrumada. Em que joelho da memória dos meus antepassados aquela voz permanece conhecida? "Mostre-se então", eu peço, a mão apoiada no vão da porta, o pé recuado em alerta.

Como se adivinha um sorriso através de uma nuca? "Não agora. A sua hora de nos ver não deve demorar", diz o menino de um passado antes do meu.

O esguio calvo de paletó, na outra ponta da parede levanta e desce a mão, como se espantasse uma memória insistente do ar ao lado, e o vento que produz apaga as quatro velas. Eu sou devorado por trevas e contenho no plexo solar um grito que recebi de herança.

Sem comentários: