sábado, janeiro 21, 2006

Os moradores 6

Começava com a casa dormida. A visão mordia o escuro. Um escuro granulado, um escuro que respirava bufando, soprando sobre os móveis, quadros e objetos. Então o olho desenhava no preto (ou o preto no olho). Abria as gavetas da cômoda, de onde rastejavam para fora pequenos pontos de patas articuladas, aranhas guardadas entre as culpas das roupas íntimas. Remodelava quadros, artista fértil, abrindo as pálpebras dos desenhados, movendo gestos nas mãos, atraindo personagens para fora de seus enquadramentos, os pés silenciosos pisando o chão do quarto. Então surgiam os rostos, emergindo das portas mal fechadas, nas quinas do teto, na luz indecisa da janela. Era então que ele entrava, o homem do corpo retangular, alto como as portas da casa da minha avó. Mangas de camisa arregaçadas, passos regulares, marcados e firmes como um tambor mortuário, levava sobre o pescoço uma ausência gritante e, sob o braço esquerdo arqueado, a cabeça que dormia. Aproximava-se da minha cama (eu podia sentir o desconforto daqueles que habitavam sob ela) e sua mão direita tateava o ar viscoço, em direção ao travesseiro onde minha nuca cravava seu formigamento.

Sem comentários: