quinta-feira, novembro 22, 2007

O que nos é permitido

Meu filho esconde-se atrás do espelho da cama, mas é denunciado pelo chapéu pontiagudo feito com os classificados do dia. Acuso sua toca, de onde ele dispara, orgulhosa espada de plástico vermelho em punho.

Em guarda.

A facilidade com que me esquivo de seus golpes e o sobrepujo, lançando-o delicadamente sobre a cama não o embaraça. Sei o que pensa: quem derrota tão perfeito soldado, pode combater facilmente toda a tirania e vileza do mundo. Ao ser batido, ele sente-se seguro. Sinto-me gigante ao me ver assim em seus olhos.

Penso que para isso os pais geram descendências: para serem os gigantes que cultivaram na infância. Porque ser homem não é suficiente (que surpresa perceber que nem isso bem somos). Temos filhos para que eles nos façam os homens que um dia planejamos ser. Nossos filhos pactuam nossas mentiras e nós as deles.

Beijo sua barriga, fábrica de risos. E não deixo de imaginar seu rosto quando for um adulto mentiroso como eu. Quero reconfortá-lo desde já, dizer que somos o que nos é permitido, nem mais, nem menos.

Ou outras demais mentiras agradáveis.

E me surpreendo acalentado pela terceira grande mentira: a de que ele sim, será o gigante que eu finjo ser. Enquanto sua espada me atinge mortalmente, entre o braço e a lateral do corpo, e eu sucumbo com maneirismos teatrais.

Meu soldado perfeito me derrota, e agora eu sou seu filho. Olho-o com reverência e idolatria. Calculo o dia em que ele vai me redimir.

1 comentário:

Prospero di Milano disse...

A ululante incapacidade técnica levou este blogueiro a eliminar todos os comentários, em um desastroso e irrevogável acidente.

Não se trata de um expurgo dos meus poucos leitores. Eu ainda amo vocês.