sexta-feira, fevereiro 25, 2005

O primeiro fantasma

Ah, eu lhe perguntaria se aquele dia naquela janela indormida, perante o apoio firme de um cigarro, se foi você quem soprou as árvores no fim da rua, num aceno para mim. Se era você do outro lado do fosso. Se eu, que vivo na ausência de deus, rezei para a pessoa correta e se não foi vazio o abraço que eu lancei por sobre as águas paradas da realidade. Se eu estava certo em dormir sobre o travesseiro confortável das palavras que eu não consegui dizer.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

paraclausítiron

A rosa, um perfume encalacrado, um receio com pétalas. Um dia de ventania no chão ou um braço armado de espinhos. Um espelho sem rosto refletido e um espelho estilhaçado.

À porta, alguém esperando. Ante a campainha, um dedo estacionado no espaço.

sábado, fevereiro 12, 2005

Ragnarok

Menos que um sonho, um quadro garimpado no mundo submerso. Trezentos pombos pousados sobre um telhado sombrio, de olhos marcados no mar adiante, esperando um nascer de sol que nunca virá. Um silêncio reverente, o espírito de deus novamente pairando sobre as águas.

quinta-feira, fevereiro 10, 2005

O fio da vista

A sua angústia era quando ela suspendia uma sentença no seu decorrer e lançava o olhar longe, como uma tarrafa a um leito vivo de rio. Ele prendia a respiração e ordenava a si mesmo: "Desta vez não". Mas o tempo aflito de três ou quatro segundos e um silêncio berrante lentamente empurravam-lhe a cabeça para o mesmo lado. E ele surpreendia-se vasculhando o vazio, procurando pelo outro mundo que a chamava.

Assim ela o vencia sem disputar. Moldando estátuas intrigadas no barro velho e viciado que o compunha.

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

O passeio

Sou alguém parado à porta de um quarto, o pensamento lá dentro, mas as pernas estancadas. Estou sozinho entre os meus, carregando comigo o meu próprio vento para agitar os cabelos que já tive. Vejam, estou do outro lado da rua, acompanhando vocês, no meu próprio e custoso passo. Por favor, não se apressem demais. Sou alguém que fica para trás, que se perde no caminho. Aquele mesmo caminho que trouxe comigo, como alguém atado a uma bola e correntes feitas de ferro.

Quem fez essa maneira de parar na esquina das coisas? Olho vocês, entre a inveja e o amor, lutando por cada passo com a atmosfera densa à minha frente.

terça-feira, fevereiro 01, 2005

o redor

Eu não tenho termo. Eu sou ou não deus. Eu sou um vento que não é vento. Os lábios eu os tenho mudos, secos. Sei que há escadas para todo o sempre subir e a palavra é onde um logra o topo.

Meu olho é o mundo. Há óculos para deus?

Dominar a palavra é saber dizer o nada. Dominar os espaços entre os tempos. Moldar o dia, ainda na noite, e pendurar interrogações em estrelas, como ganchos para salvar náufragos celestes.

Há certezas para deus?