terça-feira, novembro 15, 2005

À deriva no tempo

O escuro está em todo lugar, como água infiltrando-se nas fundações de uma casa antiga construída sobre o pântano, inchando o barro dos tijolos, corroendo vergalhões, transformando o sólido cimento em areia fofa. Há coisas - como chamar o que precedeu os nomes? - que sobrevivem no escuro. Elas escutam e celebram no silêncio inchado, desde o dia em que deus se entregou a um sono cerrado e o mundo a um vazio que tenta se preencher. Nós acendemos fogueiras, janelas e cidades, mas mal arranhamos a noite que nos envolve. Eles que a habitam se comprazem dos nossos passos tateados no que não vemos. Lançam, de longe, gargalhadas abafadas, conversam em círculos ao nosso redor, resvalam sutilmente a pele de nossos braços e nucas, cobrem-nos do seu hálito. Nós dançamos, rezamos e gritamos para afastá-los. Eles se amontoam numa arquibancada posta à nossa frente. Sabem que marchamos invariavelmente para os seus braços, a despeito de qual direção miremos. Esticam lábios e tendões. Lambem nos beiços a saudade do sangue.

Sem comentários: