terça-feira, setembro 20, 2005

Os moradores 3

As duas pequenas irmãs plantam-se no portão. Trazem nas faces comprimidos traços orientais e os talhos a faca de mais de uma centena de anos, cada uma. Mais do que moradoras, são visitantes que aqui estacionam de um périplo inimaginado. Estacam por horas, num silêncio paciente, observando o movimento na rua, até que alguém que deixe ou chegue à casa abra a entrada. Estalam um curto bom dia, tarde ou noite - que não se ouve - e perdem-se no jardim, em direção ao interior.

Gêmeas idênticas, diferenciam-se pela indumentária. Uma, aquela que nasceu primeiro, usa uma touca que lhe esconde todo o cabelo, um vestido laranja - sempre laranja - com detalhes de pequenas flores brancas, que se propõem jasmins, e carrega consigo uma sacola que contém um grito. A mais nova tem os cabelos acinzentados soltos sobre os ombros, cobre o corpo sem cintura com um vestido branco, coberto por pequenos hexágonos formados por quase imperceptíveis traços inteiros ou divididos por um espaço vazio, e apóia-se num cajado que na verdade é uma cobra hipnotizada.

Usam a casa como estalagem a saltos regulares de dias. Andam sempre emparelhadas, muito próximas, nunca tocando uma a outra ou avançando nem retardando a marcha. Arrastam as sandálias de dedo sobre os círculos invisíveis do tempo, escondendo nos pequenos olhos o horizonte que fitam. Prende-lhes à caminhada uma corda extensível, um fio vermelho que vaza dos ventres e dos peitos. A dor persistente, presente de filhos e maridos mortos. O langor seco de não ter mais a quem servir.

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