quarta-feira, maio 25, 2005

borrow somebody's dream 2

Era a noite do dia em que a avó se encantara. Uma partida tranqüila, contida. Uma morte que chegou invisível. A avó saíra da vida como alguém se retira cedo de uma festa sem querer magoar o anfitrião. Talvez tenha tentado não me magoar. A mim, que vigiava seu último instante. Foi-se entre um baixar e subir de pálpebras, ou durante uma distração na janela, ou após o ranger de um assoalho às minhas costas.

Tanto que sua morte não me chegou quando a vi, enfim, imóvel, nem quando a tomaram do leito. Nem fui tocado pelos pêsames sempre óbvios ao lado do caixão, nem pela sua descida através da boca faminta da terra. Não me ensejou nenhum aprendizado, o silêncio cercado pela família na sala-de-estar, ao fim de tudo.

Ela morreu. Isto eu só entendi sozinho na fraca luz da rua que chegava pela janela, abandonado, sem saber por quê, pelos outros viventes daquela casa. Quando uma abelha noturna atravessou a sala em piruetas, oscilando num vôo de iniciante. Quando ela cruzou o ar à minha frente e pousou no braço direito do assento cativo da avó. Quando, sob o peso irrelevante do inseto, a cadeira pôs-se a balançar.

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