quarta-feira, abril 13, 2005

A coleção

Encostava o peito no gradil da varanda e inspirava a madrugada da cidade, até plenos pulmões. O ar escapava-lhe aos poucos, enquanto pensava cada uma de suas desgraças pessoais. Colecionava-as, preenchendo uma secreta sala de troféus: o pai encantado, o amor danado, o cotidiano errado. Orgulhava-se delas, cultivando-as em jardins de cores foscas, flores triunfando sobre o chão. Nelas adivinhava um fadário superior, um sofrimento pleno de realizações, a prova de um destino especial. Sorvia as luzes estendidas num tapete vivo e soprava sobre as ruas uma jactante seleção de fracassos. Como alguém que estende, à janela das núpcias, um alvo lençol manchado.

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