terça-feira, abril 26, 2005

Uma fenda

Eu caminho pelas ruínas de uma noite perdurada, um escuro que não se deixou raiar. Uma madrugada que se debruçou sobre a cidade – e suas lâmpadas – e a ela aferrou-se com os braços e pernas fortes de uma mulher amorosa. Uma noite sem gente, sem vento, sem estrelas. Sem termo. Ecoando sobre si mesmo, um último grito pode ser escutado, ou imaginado. O fim num gemido que não saiu da própria dor. Eu despertei atrasado, acordei um segundo depois de o tempo passar. Vi-me no rascunho do mundo, no resquício de tudo, no lado de fora da moldura de uma fotografia. Eu cheguei aqui dando um passo para trás.

Como num poema antigo, ando pelas ruas, acendendo fósforos para ler os seus nomes. Como o zelador do ocaso, vou fechando a portas que restaram abertas. Produzindo luz para ver as sombras. Investigo todas as janelas, frestas, esquinas. Procuro um fantasma para me convencer vivo.

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