domingo, junho 19, 2005

Borrow somebody´s dreams 'till tomorrow 3

É uma catedral inacabada, com as portas dolorosamente fechadas. Panos e plásticos semitransparentes cobrem fileiras de bancos e andaimes nas paredes. Meu andar pelo chão conjurado ecoa um exército de passos nas paredes cinzas, nos rostos sempre surpresos dos santos. No centro do teto, folhas de um ouro alaranjado são projetadas por um lago em fogo no pé do altar. Foi aqui que uma vez acendi um assoalho de velas para você, onde imprimi a marca dos joelhos num piso opaco, onde, deitado de bruços, os braços estendidos em cruz, compus uma reza em simetria, ornando cada tônica, dourando suas pausas, estalando seus fonemas, para depois recitá-la em linha e ao inverso, num perfeito palíndromo, uma esfera imaculada.

Foi ainda aqui que a minha oração incendiou-se até o pó das cinzas, quando vontade do vento virou. Minhas palavras ardendo-me uma a uma nos lábios, enquanto pronunciava-as pela última vez, queimando-me a garganta em despedida. Minha ladainha perfeita, a arquitetura do nome de Deus, que eu escreveria somente para os seus olhos lerem. Foi aqui que se desfez a coisa mais pura que eu pude criar. Foi essa saudade que apagou as minhas velas e é ela que sustenta as colunas desta nave.

É nesta casa inabitada de orações que eu empilho bancos, oratórios, relicários, crucifixos, e a eles ateio o mesmo fogo. Avivando uma fogueira esfomeada, cujas chamas alcançarão o canto escuro entre os arcos que atravessam o teto, onde Deus protege o seu sorriso embolorado e sua barba perfeita. É o seu recinto que eu deixo e cujo adro procuro, a fim de ver arderem seus vitrais na noite das lápides.

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