quinta-feira, junho 23, 2005

Instruções para atravessar paredes

Esta casa foi erguida sobre a promessa de um sorriso, sobre flâmulas e confetes que adivinhavam o desfile do bom futuro. Estamos ainda aqui, os olhos vidrados no horizonte desta avenida, aguardando ansiosos o primeiro carro do cortejo.

Nenhuma outra casa acorda na cauda da noite como esta. Enquanto todos dormem, abraçados às suas inconfissões, ela afunda na terra, frações imperceptíveis engolidas. O chão avançando paciente sobre a família que ainda será sua.

Na madrugada ela revela os seus sons, range segredos, estala profecias. Beija as testas dos dormentes, perdoando-os por suas inocências e perversidades. O futuro não vem agora. Talvez chegue quando os próximos viventes caminharem desavisados sobre o nosso telhado soterrado. Talvez assim se cumpra o destino da família, herança dos seus mortos, gravado em argamassa, nas paredes desta caixa.

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