sexta-feira, junho 10, 2005

Um grito depois do medo

Começa com um grito que vem depois do medo. Às vezes tão agudo que poderia ser confundido com um assobio de uma janela num dia de agosto. Depois, o colchão sob mim some. E o piso. E a Terra. E o silêncio se aprofunda, com duas mãos fortes que não existem, comprimindo meus ouvidos. Eu fico assim, numa queda tão grande que deixa de ser queda, para ser apenas uma suspensão no vão sem horizontes. Então, de algum lugar de dentro ou de fora, começa o murmúrio. A princípio, tão suave que me pergunto se o estou ouvindo. Crescendo no volume, ele começa a ocupar o meu silêncio, como um rio preenchendo um copo de água. Concentrado, tento acordar - e o faço - mas estou de volta somente aos olhos, longe, ainda, do restante do corpo que se rebela aos meus comandos.

Pescoço, braços e pernas inertes, enquanto uma multidão invisível - homens, mulheres, crianças e outros - conversa em meu quarto. O quase morto que eu sou observa as vozes sem gentes, aos poucos despindo-se do pânico do contramundo, e passa a tentar pinçar, das milhares de palavras que colidem, um colóquio inteligível que seja. E tão interessado me encontro neste exercício de concentração, que apenas após alguns minutos percebo a muda figura de pé, ao lado da minha cama, quase no ponto cego da minha vista, observando-me com uma científica curiosidade

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