quinta-feira, junho 02, 2005

Aos amigos ausentes

Os copos cheios unidos em prece e lembrança. Que cada um de nós dê ao demônio o que lhe é merecido. E que o tempo retorça e que seja amanhã a hora do reencontro. Que nos encontremos plenos de nós mesmos, cotovelos sobre a mesa, relacionando as conquistas e as perdas. Olhos cansados, amigo, cheios de tanta estrada, tanto descaminho, tanto desmantelo, a expor os ventos soprados nos rostos, os beijos furtados, noites em claro, gritos calados. Trocaremos os saldos numa competição carinhosa. Uma saudade da inocência, um coração mais duro, uma alma mais pura. Desarmados, porque no descanso da taverna não se usa armaduras, nem elas existem entre nós, falaremos da noite escura, das bestas escondidas atrás das árvores, do sangue que nunca desgrudou das espadas, da companhia da morte que morava na boca de algumas mulheres. Beberemos o vinho e a cerveja, até transbordarmos os copos dos corpos, e caminharemos abraçados sob os postes, cantando canções que entoávamos quando o mundo era vasto e o espírito era imbatível. Seremos melhores, seremos mais fortes - embora mais tristes e os olhos um pouco mais opacos, é certo -, seremos o orgulho um do outro, porque teremos cumprido o destino - ora terrível, ora glorioso - que nos cabia. E gritaremos em desafio aos velhos deuses de rostos sombrios e carrancudos: "É o melhor que podem fazer?". O silêncio, como sempre, será a resposta.

Para o Galego.

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